sábado, 5 de dezembro de 2009

O homem com um lagarto na cabeça

Para Marco Bomfim,

o surrealista que é também pintor.

 

O aspecto era pavoroso. Era um homem extremamente feio, em sua magreza cadavérica. Não pesaria mais que uns trinta quilos, apesar de ter cerca de 1,60m de altura. O rosto encovado e a testa muito pronunciada faziam seus olhos, circundados por grossas olheiras, parecerem fundos. Não que tivesse um olhar profundo; ao contrário, este era opaco, sem vida, e parecia perder-se em lugar nenhum.  Sua cor... o que é que tinha mesmo a sua cor? Não, não tinha. Ele simplesmente não tinha cor. Nem chegava a ser o que se pudesse chamar de pálida. Pois era algo meio alvacenta, que lhe conferia uma transparência esquisita, deixando visíveis veias e artérias, além da sombra dos seus órgãos em pleno funcionamento. Não exibia um só fio de cabelo pelo corpo, e sua imagem lembrava em muito a figura dos cocheiros de filmes de vampiro.

Quando ele entrou na sala-de-espera do consultório, a moça da recepção sentiu-se envolvida por um misto de susto e asco.  É que o homem, além de tudo, trazia um lagarto na cabeça. No primeiro momento, ela pensou em abandonar o local em fuga. Se não o fez, não foi movida pela razão, mas pela paralisação provocada pelo medo. Pensou em pedir-lhe que deixasse o animal lá fora, mas teve receio. O homem acomodou-se numa das extremidades de um banco e ali ficou, mudo. O lagarto não parava de se mexer. Ora se contorcia, ora revirava o rabo e punha a língua de fora, como fazem normalmente esses répteis.

Tão logo chegou um outro paciente, ela aproveitou para ir lá dentro falar com o médico sobre o que estava acontecendo. Este não deu muita atenção, pois a moça era adepta de uma igreja evangélica pentecostal e tinha por hábito ter mais visões do diabo que de Deus. “Deve ser mais um dos muitos demônios que ela vê por aí” – pensou.  Enquanto isso, as pessoas que iam chegando evitavam sentar próximas àquele indivíduo, com aquele bicho se movendo em sua cabeça. Temiam que a qualquer momento o lagarto caísse e causasse o maior tumulto no recinto. Mas isso não aconteceu.

Chegou o momento de ele ser atendido. Horácio Luiz da Assumpção foi o nome que teria dado, ao marcar a consulta pelo telefone. Quando entrou no consultório, o médico também levou um susto. Indicou uma cadeira para que o paciente se sentasse e lhe pediu que tirasse o lagarto da cabeça. O homem nada disse. O doutor reiterou o pedido, obtendo o mesmo silêncio como resposta. Então resolveu ele mesmo tomar uma providência. Levantou-se e, segurando firme o corpo do animal, puxou-o para cima. O que viu foi espantoso. O bicho era grudado à cabeça do homem.  No puxão, surgiu entre a careca e a barriga do réptil uma pele viscosa, que esticou como acontece com o piche ou uma goma já mascada.  O profissional resolveu deixar aquilo quieto, sentou-se e perguntou:

- Como e quando foi que lhe aconteceu isto?

E para sua surpresa, quem respondeu foi o lagarto, que disse:

- Bem, doutor, tudo começou com uma coceirinha na barriga. Eu fui coçando... coçando... coçando... até que surgiu um carocinho.  O diabo é que ele coçava mais ainda. E eu continuei coçando... coçando... coçando... e o caroço foi crescendo... coçando e crescendo... coçando e crescendo... até se transformar nesta coisa asquerosa que o senhor tá vendo aqui.  E o pior é que ainda coça muito. Por isso é que não consigo parar de me contorcer. Já consultei muitos veterinários, mas todos dizem que isto é coisa para tratar com um dermatologista, assim como o senhor.  Agora me diga, doutor, existe alguma pomada que faça esta porra secar ou é caso de uma intervenção cirúrgica?

 

 

22/07/2008

Eu, aos seis meses de idade, treinando pra gay. Não dei certo. (19/01/1948)

Com pouco mais de um ano, no colo do meu pai. (1948)

Aos dois anos, já fazendo boca introvaginal. (1949)

Aqui, com três anos, estou no mesmo local da foto 2: o quintal da minha casa. O aspecto rural registrado em ambas foi tragado pelo crescimento demográfico. (1950)

Na primeira carteira escolar (cinco anos), eu aparecia assim: estrábico e com a gaforinha em pé, de tanto virar cambalhota no sofá do estúdio fotográfico. (1952)

Eu (sete anos) e ela (nove). Foto própria pra capa de livro de memórias. (1954)

Registro da primeira comunhão, aos oito anos. Esta roupa de milico, que eu odiava, era o uniforme de gala do colégio. (31/10/55)

Com meus pais, aos 11 anos, na Cinelândia. A observar, três detalhes: 1) naquela época eu já cultivava o hábito de carregar comigo uma coisa pra ler; 2) o bonde, que trafegava onde hoje é um calçadão; e 3) devo ser, seguramente, a única figura ainda viva nesta foto. (1958)

Dançando com Maria Stael, aos 12 anos, numa festa junina do Recreativo. Foi na Stael que eu dei alguns dos meus primeiros beijos na boca. (1959)

Pré-carnavalesco, no Recreativo. A mina da esquerda, lembro bem, é Arlete Borges. E a da direita, eu só vi nessa noite. Não sei o nome. Como no samba do Paulinho da Viola, tinha eu 14 anos de idade. (1961)

Em Petrópolis, aos 16 anos. Nos dias de hoje, eu estaria em atitude suspeita: ladrão de carro. (1963)

Com Virgínia, Luciano Paim, Gabriel, Mercedes e Miguel, na casa de Paulo Romário. (1986)

Juberlan, ao lado de sua secretária de Educação, comemorando o primeiro aniversário de seu governo. Tô dixavadíssimo no ambiente. É ou não é? Pelo menos eu acho. (1987)

Entrevistando Luana e um outro membro do Ojuobá-Axé, durante a inauguração do busto de Zumbi, no calçadão da Nilo Peçanha. (1988)

Da série Vô Coruja. Com Ramon, aos quatro meses de idade. (1994)

Com Djavan e uma repórter que não deixava ninguém falar: nem o próprio Djavan. A entrevista se deu pouco antes do seu show, na 12ª Exposição Agropecuária de Petrópolis, onde funcionei como assessor de comunicação. (1995)

Num espaço maravilhoso, em Itatiaia. (12/06/95)

Outra vez em Petrópolis. Com uma galera, comemorando o 15º aniversário de Beatriz Salgado, que, por sinal, não aparece na foto. (1995)

Da esquerda pra direita: Mateus, Beatriz Salgado, Paulo Romário, Camilla, ela, meu pai, Cecília Salgado, minha mãe e Miguel. Comemorávamos meu aniversário, na casa da Cecília. (03/07/96)

Com Simone Petitet – grande atriz e grande figura -, em Araras (Petrópolis),  durante um retiro religioso. (1996)

No Mirante Dona Marta, em Santa Tereza, em companhia de Gil (ex-namorada piracicabana) e a filha dela, Vanessa. (30/08/97)

Também da série Vô Coruja: o raper Gaspa e o filho dele, Ramon (2004)


Pajelança Cultural, em homenagem ao percussionista Jorge Guabiroba: com ele e Beto Cavaco. (2005)

Ainda a série Vô Coruja: Aisha, filha do Gaspa. (2005)

No sentido horário: Newton Menezes, Rogério Torres, Irani Fonseca, Pedro Marcílio, Josué Cardoso e Lúcia Regina Victória, no aniversário do Carlos de Sá Bezera, que aparece de costas – camisa e cabelos brancos. (06/01/06)

Na noite em que sofri uma homenagem do Jornal Imprensa, por conta de ter me tornado um sexy-agenário. (05/07/07)


Comemorando meu aniversário, dentro da festa de aniversário de Jornal Imprensa. Meio de costas, Ângela Carvalho. E as mãos que aparecem entrelaçadas eram do pianista Paulo Romário. (03/07/08)


Examinando o livro que ganhei de presente de Virgínia Natal e Ricardo. (idem) 

Com Miguel e Ângela, numa reunião que mais parecia um Festival Nacional de Ceguetas. Todos de óculos. (idem)

A Massa Experiência e as experiências da Massa


No sentido horário: Marçal, Paulo Romário, Gigante, Roberto e Aldemir Duval

 

 

(Módulo 1)

Você conhece a galera aí da foto? É a Massa Experiência, primeira banda pop-rock surgida em Caxias, no bojo do pós-tropicalismo. Não há notícia de nenhum outro grupo de músicos na Baixada Fluminense, que a tenha precedido em apresentações no circuito musical de sua época, nos teatros da Zona Sul carioca. Formada por Aldemir Duval (baixo, composição e voz), Paulo Romário (piano e vocal), Marçal (guitarra), Gigante (percussão e vocal) e Roberto (bateria), a banda atuou por cerca de três anos (tocando no Rio, São Paulo e Belo Horizonte) e teve sua gênese numa roda de papo no quintal da minha casa, ao primeiro sábado de julho de 1971.

É essa história que agora passo a contar aqui, em alguns módulos. Vai comigo?

Era meu aniversário (24 anos) e eu tinha reunido um pequeníssimo grupo de amigos pro almoço. Após o rango, estávamos conversando à sombra de um abacateiro, que já não há: eu, Marluce Ribeiro (a então namorada), Luci Henriques de Oliveira (ainda hoje grande amiga), o compositor Francisco Rodrigues e os poetas Odemir Capistrano e Maurício Mamede. Num dado momento, pintou a idéia de se fazer um show com o Chico (Rodrigues, é claro) no Teatro Municipal Armando Mello.  O negócio era pôr o cara cantando suas composições, as quais, em boa parte, tinham letras assinadas por mim.

Tá. Só que pra realizar isso, tínhamos que ter um instrumental responsa e o Maurício ficou de arregimentar o pessoal. Parecia papo de cervejada de aniversário, mas não foi. No meio da semana seguinte, Maurício e Capistrano pintaram aqui, cheios das idéias. O primeiro foi logo falando de seus contatos com músicos, remanescentes de grupos de baile caxienses. E, na despedida, ficou de trazer alguns deles à minha casa, dentro de poucos dias. Assim fez. Na outra semana, ele já pintou com Aldemir e Gigante a tiracolo. 

Aldemir tinha experiência como baixista de um grupo já inexistente, chamado Choral Snakes (ou seria SN?). Fiquei impressionado com a sua intimidade com o violão, principalmente nas músicas dos Beatles. Conversamos um pouco e ele se mostrou interessado em participar do show. Quanto a Gigante, este falou muito pouco. Aliás, o negrão quase não falava. Do alto de seus cerca de dois metros de altura, apenas emitia um conceito aqui e outro ali, sempre com alguma pitada de humor irônico. Não tinha qualquer experiência de tocar em público, mas mesmo assim se fez presente no vocal e no ritmo, usando um velho balde de plástico emborcado.

Aquelas reuniões foram se sucedendo, cada vez com maior freqüência. Como havia um piano na casa, resolvi convidar Paulo Romário pra formar com a gente. Paulo reagiu como eu esperava: disse que não queria, que não tinha tempo (nem saco) pra vir a Caxias ensaiar; enfim, fez o maior cu doce. Diante da minha insistência, em contatos sucessivos, acabou topando conhecer os caras. No que conheceu, se amarrou. Pronto. Já tínhamos três músicos excelentes, só faltando agora um guitarrista e um baterista, para dar início aos ensaios do show. A aquisição de Paulo Romário foi de grande valia. Afinal, ele tinha formação de piano clássico, profundo conhecimento de teoria e harmonia e já tinha estreado como arranjador, na peça Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto, com músicas de Chico Buarque.

O show em questão jamais foi ensaiado e, por conseguinte, nunca chegou ao palco. Mas, em compensação, começaram a brotar composições de Aldemir, com os parceiros de que dispunha. Desta safra inicial, lembro de Maribel (“O tesouro do capitão lhe pertence./Sozinha, temendo as coisas da vida/na busca do papel picado, na viagem/do carro-gente, que corre com o tempo...”. Entre as primeiras obras estão, também, Gás lacrimejante, Vox populi, A lata (todas dele com Maurício Mamede), Nada (com Chico), Liquidação para mudança de ramo (com Capistrano) e Façafossa (dele comigo), entre outras. Em apenas três ou quatro meses foi se formando um repertório, que ia tornando cada vez mais distante a idéia inicial do show. Queríamos agora formar uma banda que se apresentasse com suas próprias músicas.

Em outubro, Maurício chegou com a novidade: havia inscrito três músicas num festival que ia pintar em Paracambi, no mês seguinte. As composições escolhidas por Maurício foram Gás lacrimejante, A lata (ambas com Aldemir) e Voltas do relógio (com Chico Rodrigues). Quando saiu o resultado da seleção, não deu outra: tinham emplacado as três.  A iminência de uma apresentação pública tão próxima, nos levou a intensificar as buscas de um guitarrista e um batera. Quanto ao primeiro, Maurício acenou com a possibilidade de chamar Marçal, segundo ele, um negrão canhoto, ex-músico de um grupo de baile chamado Hei, Bulldog. Mas na hora H, ele trouxe mesmo foi o Erivaldo, que fazia jus ao apelido de Baixinho, ex-integrante do SN (Sem Nome).

Às vésperas do festival, Marco Bomfim salvou a pátria: apresentou-nos um baterista estreante, Jorge Trinca, que sequer tinha instrumento. Fez bem mais, o Marco: arranjou lugar para ensaiarmos, onde havia todo instrumental necessário, inclusive um órgão sem muitos recursos, que marcou a estréia de Paulo Romário como organista. No quesito interpretação, entramos eu (A lata), Chico (Voltas do relógio) e Marco Bomfim (Gás lacrimejante). Sim, o Marco Bomfim de quem falo é o mesmo Marquinho Maluco, que além de talentoso como pintor, desenhista, artesão e decorador, canta pra cacete.

No meio do primeiro ensaio, a três dias do festival, Maurício nos chegou com nova informação: ele tinha curto prazo para fornecer o nome dos intérpretes à organização do concurso. Parou tudo e ficamos olhando um pro outro, com aquela cara de “meu Deus, que é isso?”. É que até ali não tínhamos nos dado conta, de que o nosso estágio de evolução (ainda que precário) estava a nos exigir o mínimo: um nome. Sugeri do nada Cinto de Castidade. Por falta de coisa melhor, no momento, foi assim que a banda se apresentou e assim se manteve por alguns meses. 

Sobre o festival de Paracambi, falo depois, no próximo módulo. Mas posso garantir, desde já, que foi uma puta aventura.

Vamos manter a sintonia.

 

Façafossa

(Aldemir Duval e Eldemar de Souza)

O sol ardendo a imagem de Cristo.

Não há mal, a festa é nossa.

Anjos, arcanjos, demônios

são todos da mesma família,

de mãos dadas cantam e dançam

em volta à imensa fogueira.

O sol ardendo a imagem de Cristo.

Não há mal, a festa é nossa.

O homem sobre o caixote,

nas mãos o livro, a História.

O homem sobre o caixote

pregando a Filosofia.

 

Nada é novo, nada é novo.

Estou vivo. Viva! Eu vivo.

Sem origem, submerso,

sobrevivo, sub-existo.

Porém, hoje a festa é nossa

e o sol arde a imagem de Cristo:

Faça a História, façafossa.

(1971)

 

Hoje é hoje

(Aldemir Duval e Eldemar de Souza)

Não pense você

que falo pra dentro:

sou repousante num reinado brusco

de medo, de susto, de ferro e cetim.

Até que eu diga: não nasci pra isso!

tem muito osso pra me distrair.

 

Mas hoje é hoje

em qualquer dimensão,

por mais que eu esqueça

me lembro de tudo,

não mostro meu medo,

meu modo não mudo:

não sei disfarçar.

No entanto, eu falo,

me despeço e passo

na sombra do meu novo amor.

(1972)

 

Vox populi

(Aldemir Duval e Maurício Mamede)

Esta é a canção tema

da fotonovela,

que nada revela

e a vida sublima.

 

Do mocinho

com olhos de gelatina,

doces pássaros

numa floresta encantada.

Declara, santa,

a morta moça pálida:

- Eu te amo, eu te amo.

 

Salva de pipocas,

salmos de fanzocas

estouram, explodem

nas páginas do Sétimo Céu.

(1971)

 

 

Liquidação para mudança de ramo

(Aldemir Duval e Capistrano)

Armazéns de desejos,

armas de despejo

de alimentos insossos,

quinquilharias, ninharias.

Mulheres antigas,

melhores já foram.

Armários de espelhos,

armas de artelhos

de inóspitas paragens,

mesquinharias, autarquias.

Prazeres desfeitos,

defeitos pois sejam.

 

Seguro de ofertas,

sugiro que comprem.

Surgiram encomendas,

emendas tremendas

no forro da casa grande,

ao sul do Mar Egeu.

E ao sul do Mar Egeu,

ergueram-se pontes

de massacres, massagens,

pastagens divinas.

Cor de preto, purpurina,

ao som do mal nasceu.

(1971)

 

 


Conspiral

Para Miguel Mendes de Souza

 

SENSO                                  CENSO

              

NÃOSENSO

 

CONSENSO                         CONTRASENSO

                       

SENSAÇÕES!..

 

Bom mesmo é ser                        CONSENSUAL.

 

(11/01/09)

Se colar...

Pensou que ia comê-la àquela noite.

Se ela gostava de cheirar,

ele então levou a COCA.

Cheiraram juntos toda a noite...

Mas não COLOU.

(26/01/09)

Amortecedores

Eu AMO o AMOR

enquanto a MORTE TECE

(com seus fios invisíveis)

aquilo que tarde ou CEDO

virá, repleto de DORES.

(26/06/08)

Ah... mérica!

Para Ruy Simplício

América! Oh, América!

Fique atenta, pois o tempo está chegando

e entre o Pacífico e o Atlântico

muita água há de rolar.

América... América...

Da Águia do Norte,

sempre alerta, com suas garras afiadas,

e o Gigante do Sul

- adormecido, desdentado e anêmico.

 

Mas América não é só isso,

é muito mais:

AmeriCastro, América-Sandino,

sonhada por Bolívar e Chê Guevara

e também por todos nós.

América del sombrero

y de la  música caliente,

que nasce de qualquer alma:

seja indígena, branca ou negra.

 

Ah... mérica!

Da Amazônia e a Cordilheira dos Andes...

Ande logo, América,

pois o tempo está chegando.

(dezembro de 1999)

Poema novo

Fazer um poema novo

exige de mim total sintonia

com a energia cósmica,

de onde flui a criação.

Se não, eu não consigo

- operário que sou –

trabalhar cada verso, cada palavra,

com o zelo que me dignifique em meu ofício.

 

É preciso esgotar o verbo

em todos os tempos e modos,

e só assim me sentir vivendo

(com toda a intensidade)

aquele momento mágico

(único), que jamais se repete.

 

Do contrário, me bastaria um muro em branco,

esquecido ao acaso

nesse último período pré-eleitoral.

Ali, de Pillot em punho

eu registraria esta frase,

seca como a realidade que nos cerca:

            Meu ex-amor,

            eu te amei imensamente.

            Que pena!

(1983)

Metrópole

SÓ CARRO

SÓ CORRE

SOCORRO!

(1979)

Ofertório

Amor

sem amor

se apaga.

(1976)

Elementos

Botaram fogo no mato,

do lado direito da casa,

mas a casa não ardeu.

 

Em seu interior

- sobre seios que já acolheram

frutos de diferentes realidades –,

uma cabeça repousava

e ouvia uma canção,

que falava de fogo,

mas  também de ar fresco

e terra molhada.

(1975)

Poemeto 2

Por onde você for passando,

seu nome deixando

gravado em pau-marfim,

são os mesmos lugares

que eu passo em seguida,

colhendo colares

de flores silvestres,

que você guardou pra mim.

 (1974)

Navios...

Descolei no guarda-roupa

um mantô desbundante

e desci soltando plumas,

lá do décimo andar.

Se você me visse hoje,

não iria entender quase nada.

Iria pensar que pulei o muro,

pois eu já lhe disse

que não me importava

se a porta do barraco era sem trinco,

porque lá não tinha nada pra roubar.

 

Hoje eu quero ser mais

que um simples mantô amarelo

e com os olhos enxutos poder lhe dizer:

Por enquanto é isto e até qualquer hora...

Faça alguma coisa,

tente a abstração.

Imagine uma cidade inteira encerada...

Imagine uma cidade inteira encerrada

no momento maior de uma grande emoção.

Imagine a importância do papel sanitário,

mentalize a sanidade do papel portuário:

através dos tempos, sempre a ver navios...

(1973)

A olho nu

(Preâmbulo para depois de amanhã)

Havia um homem condecorado, que exibia sua honra nos veículos de comunicação. Isto, num tempo em que se acreditava em honra de homens condecorados, que viviam se exibindo nos veículos de comunicação.

 

O seu quarto escuro,

abrigo inseguro do seu corpo inquieto,

não é mais aquele

que o viu sorrindo num dia de festa.

 

Seu passado é outro.

O espelho acusa

e você tem que ver,

que os gatos são pardos

e  as hienas riem,

apesar de tudo.

(1972)

 

*Este poema foi escrito para Nelson Duarte, detetive que fazia o terror da galera no início dos anos 70, no Rio de Janeiro. Integrante de um grupo de elite da Polícia Civil, denominado Os Onze Homens de Ouro, participava semanalmente do Programa Flávio Cavalcanti, na extinta Rede Tupi de Televisão, onde exibia diversas condecorações conquistadas por “atos de bravura”. Em 1972, caiu em desgraça ao ser acusado de receber propina, para facilitar a fuga de um traficante internacional de drogas, da delegacia onde estava lotado. Se fodeu.

Cosmopolíadas

Veja quanto olhar

há dentro do seu olhar.

Se a voz que diz: “Alô...”

não é pra você,

procure na vitrine

um sorriso igual ao seu.

Se abrace e fotografe

a sua solidão.

(1971)

O companheiro do Capivari

Estávamos no início de 1983 e o governo Brizola começava. Em todos os municípios fluminenses, incluindo a Capital, a euforia PDTista era grande. Afinal, o homem tinha sido eleito com uma votação tão expressiva, que nem as manobras engendradas pela Rede Globo conseguiram impedir sua vitória. É claro que as fraudes (muitas) acabaram influindo no resultado final do pleito, mas tudo o que os fraudadores conseguiram foi, no máximo, diminuir a vantagem de Brizola sobre seus adversários, sem contudo impor-lhe a derrota eleitoral que pretendiam.

Aqui em Caxias, nós éramos membros do Diretório Municipal do PDT.  O que chamo de nós era um grupo formado por Wilson Reis, Josué Cardoso, Antonio Barbosa de Vasconcellos, Luiz Carlos dos Prazeres, Cândida Helena Machado, Roberto da Costa, Ayrton Fonseca Almeida, Wilson Gonçalves, Mário Alves, Hermes Machado, Tininha Machado, Delton Peçanha, Nélio Menezes, Paulo Renato, Gloria Mendes e eu, além de um bando de gente, filiada ao partido ao longo de seus dois anos de existência, que se dividia em várias correntes.

Os dias seguintes à posse do Brizola foram de reuniões sucessivas, na sede do partido. A pretexto de discutir “estratégias de governo”, o que se discutia na verdade era a ocupação dos órgãos estaduais, com representação no município. Era um tal de “com quem vai ficar o Detran?” e/ou “eu só quero a direção da Codim”...  Teve até malandro correndo por fora, indo diretamente reivindicar o seu lugar ao sol, junto a seus supostos contatos na cúpula partidária. E as tais correntes, que já não se entendiam, passaram a brigar entre si, com alguns de seus integrantes chegando mesmo a sair na porrada uns com os outros. Verdadeira cafajestada.

Numa dessas reuniões – que se repetiram por várias semanas – Prazeres chegou acompanhado de um velho líder camponês, posseiro no Capivari, remanescente de um levante armado ocorrido naquela região, em 1963. Como todo bom homem do campo, o visitante permaneceu tão calado quanto atento a tudo o que via e ouvia. Ao fim do bate-boca acalorado, convidaram o lavrador a falar, e ele foi conciso:

- Bão, eu num sei falar essas palavra difícil que ocês usa, né? Eu sou da roça, criado na enxada, mas pelo o que eu pude apreciar de tudo isso, acho que socialista muito mais firme que alguns cumpanhero que tá aqui... Fidel Castro botô no paredão.

Novidades

Finalmente consegui adentrar com meu blog nesse mundo virtual... E vou mais fundo ainda.