sábado, 16 de janeiro de 2010

Balada do cotidiano

É natural que eu morra todo dia:

            Envolvido em súmulas

            Corroído em ácido

            Diluído em pó.

É natural que eu corra todo dia:

            Dividido em dúvidas

            Promovido a vítima

            Consumido em som.

 

Naturalmente eu me sento

e lhe peço: não reclame

se ando meio distraído.

É que eu morro sem ser visto

e visto, sem ter morrido,

a urna toda de vidro.

 

Naturalmente eu lhe chamo

e pergunto, sonolento,

se você ainda é a mesma.

Afinal, eu fui gerado,

concebido e conservado

pra ser passado e traído

ou dar conta do recado.

 

É natural que eu saia todo dia:

            Dirigido e tácito

            Aguerrido ao cântico

            Sem perder o tom.

É natural que eu caia todo dia:

            Reprimido, em pânico,

            Invertido em fórmulas

            Inventado e só.

(1972)  

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